sábado, 28 de julho de 2007

Cimeira do G8: ajuda prometida e não cumprida - Carlos Reis

Além-mar
Junho 2007


Carlos Reis

Cimeira do G8: ajuda prometida e não cumprida

Os países mais ricos do mundo não estão a respeitar as suas promessas no que diz respeito à ajuda aos países em vias de desenvolvimento. Em vésperas da Cimeira do G8, encontro do grupo dos oito países mais industrializados, não há garantias de que os objectivos de cooperação para o desenvolvimento sejam sequer atingidos.

Apesar das promessas dos países ricos de erradicar a pobreza extrema, os países em desenvolvimento necessitam ainda de mais assistência, regras comerciais mais justas e equilibradas e de um alívio significativo da dívida. A menos que os países ricos mantenham as suas promessas de financiar uma parte do desenvolvimento, os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio não serão alcançados até 2015. «Para que o pacto seja justo, tanto os países ricos como os países em desenvolvimento devem prestar contas quer das acções em curso quer dos prazos estabelecidos», diz Eveline Herfkens, coordenadora executiva da Campanha dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. E alerta: «Se as nações ricas não cumprirem a sua parte, os países pobres nunca conseguirão alcançar os Objectivos.»
A Declaração do Milénio, adoptada por todos os Estados-membros das Nações Unidas, contém um conjunto de oito objectivos, com especial destaque para a erradicação da pobreza. Contudo, todos os países da União Europeia estão a mascarar o volume das suas contribuições para a ajuda ao desenvolvimento. Segundo o relatório «Retenez Vos Applaudissements!» (Suspendam os Vossos Aplausos), da Concord, confederação europeia de 1800 organizações não governamentais dedicadas à ajuda de urgência e à ajuda ao desenvolvimento, os montantes do perdão da dívida pública, do acolhimento de estudantes estrangeiros e do auxílio a refugiados estão a ser contabilizados como ajuda ao desenvolvimento, o que desrespeita os compromissos, uma vez que não se trata de investimento directo. Só em 2006, mil milhões de euros destinados aos refugiados e 1700 milhões de euros gastos na educação foram incluídos por países da UE na ajuda ao desenvolvimento.

Quebrar promessas
Perante este cenário, o relatório da Concord estima que «vários países europeus vão quebrar as suas promessas de ajuda aos países pobres até 2010, a não ser que aumentem radicalmente o montante dos recursos verdadeiramente destinados ao apoio ao desenvolvimento». Com efeito, se a tendência actual não for invertida, até 2010 os países em desenvolvimento vão receber da Europa menos 50 mil milhões de euros do que o que estava prometido. A organização afirma que a redução da pobreza não é, aparentemente, «o primeiro objectivo da ajuda», e considera que a segurança, as alianças geopolíticas e os interesses nacionais prevalecem. Lucy Hayes, autora do estudo, destaca que «60 por cento das ajudas ao desenvolvimento concedidas pelos governos europeus entre 2001 e 2004 foram destinadas ao Afeganistão, RD Congo e Iraque, países que não representam nem três por cento da população que vive na pobreza». África foi o continente mais prejudicado pela política de ajuda ao desenvolvimento da UE, ao receber menos três por cento em 2005 do que no ano anterior.


Promissória sem cobertura
Muito do debate à volta dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio destina-se a avaliar se os países pobres irão conseguir alcançar as metas estabelecidas. Por isso, o PNUD, programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, defende que os países ricos devem ser sujeitos a um escrutínio e tornar público o balanço dos progressos obtidos. E lança-lhes um desafio: que definam metas e prazos concretos, e passem à acção em várias frentes.
A luta contra a pobreza no mundo tem registado progressos, mas há muitos países que estão cada vez mais em pior situação, sobretudo na África Subsariana. No Relatório sobre o Desenvolvimento Humano 2005, o PNUD verifica que o mundo está a falhar no cumprimento dos Objectivos do Milénio, e atribui parte da culpa à falta de ajuda aos que mais necessitam e a regras comerciais injustas. A oito anos da data-limite para se atingirem as metas estabelecidas, o progresso existe mas é demasiado lento, e os Objectivos poderão vir a revelar-se uma mera lista de boas intenções. «A Declaração do Milénio representou uma promessa solene de libertar homens, mulheres e crianças das condições abjectas e desumanas da pobreza extrema», observa Kevin Watkins, o principal autor do documento das Nações Unidas. «Os Objectivos do Milénio são uma nota promissória assinada por 189 governos e passada às pessoas pobres de todo o mundo. Essa promissória vence em 2015 e, sem um investimento e uma vontade política adequados, ela voltará para trás, devolvida com o carimbo de ‘fundos insuficientes’.» O relatório usa uma metáfora militar para ilustrar o balanço dos últimos 17 anos: «A guerra contra a pobreza testemunhou progressos na frente leste, retrocessos maciços na África Subsariana e estagnação numa ampla frente entre ambas.» Para mais, o desenvolvimento global está a abrandar, salienta Kevin Watkins.

Progressos e recuos
Desde 1990, mais de 130 milhões de pessoas saíram da pobreza extrema, há menos dois milhões de mortes de crianças por ano, há mais 30 milhões de crianças nas escolas e 1200 milhões de pessoas têm acesso a água potável. O reverso da medalha indica que ainda há 2500 milhões a viver com menos de dois dólares por dia (40 por cento da população mundial), dez milhões de crianças morrem de doenças evitáveis ou curáveis, 115 milhões não vão à escola e mais de mil milhões não têm acesso a água potável, enquanto 2600 milhões não dispõem de saneamento básico. Ou seja, houve progressos, mas foram insuficientes para cumprir os objectivos a que os países se comprometeram. «O que será uma tragédia, sobretudo para os pobres de todo o mundo, mas os países ricos também não ficarão imunes às consequências do fracasso: num mundo interdependente, a prosperidade partilhada e a segurança colectiva dependem, de modo crítico, do êxito na guerra contra a pobreza», defende Kemal Dervi, administrador do PNUD.
A convergência gradual entre os países em desenvolvimento e os países ricos em termos de esperança de vida, mortalidade infantil e alfabetização, que ocorreu nos últimos 40 anos, está a abrandar e para alguns está mesmo a transformar-se em divergência. «Num mundo de desigualdades já extremas, o fosso entre países ricos e países pobres está, em alguns casos, a alargar-se e, noutros, a diminuir muito lentamente. O processo é desigual, com grandes variações de região para região e de país para país», salienta o relatório das Nações Unidas. Há países que estão cada vez mais em piores condições, a maioria na África Subsariana. Em relação ao índice de desenvolvimento humano, 18 países – que representam 460 milhões de pessoas – viram a sua situação piorar em relação à posição que ocupavam na década de 1980. Em alguns casos, como na África do Sul, a incidência da sida explica a queda.
«Se chegamos à conclusão de que não há dinheiro para a maioria das reformas e avanços exigidos pelos Objectivos, será necessário, daqui em diante, concentrarmo-nos em formas de financiamento alternativas, seja através de impostos, doações, mercados para exportações, ou outras», afirma Jim Boughton, director-adjunto para o Desenvolvimento do Fundo Monetário Internacional.
Todas as expectativas se viram assim para as decisões de Heiligendamm, velha estância balnear da Alemanha e antiga residência de Verão de imperadores germânicos. Um mês antes da cimeira já se verificavam distúrbios em várias cidades alemãs. Não será por falta de segurança que a ajuda devida não será cumprida.




A ajuda do G8

Compromisso para 2006
Itália 0,33%
Estados Unidos 0,11%
Alemanha 0,17%
França 0,23%
Japão 0, 23%
Canadá 0,26%
Reino Unido 0,24%
Rússia 0,38%

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