quinta-feira, 5 de julho de 2007

Os ricos globalizam a pobreza - Luc Coppejans

Além-Mar
Fevereiro 2001

Excertos



Uma globalização que só serve os interesses de alguns
promove uma visão unidimensional da natureza humana
e condena à pobreza povos inteiros.
Não é por acaso que um pouco por todo o lado se fazem
ouvir protestos contra a liberalização desenfreada.


Vivemos num tempo de mudanças profundas. No último século, a nossa visão da vida mudou dramaticamente do nacionalismo para o internacionalismo, para o globalismo. Todavia, as nossas instituições políticas e a nossa ideia do mandato político mudaram muito pouco desde o início do nosso século.
O principal veículo da globalização é a ideologia neoliberal do mercado livre. Não houve ao longo da História outra ideologia que tivesse influenciado tão profundamente cada aspecto da vida das pessoas no mundo como a do neoliberalismo. Ela tem impacto na vida económica, na comunicação e na informação, nos desenvolvimentos tecnológicos, na cultura, nos padrões de consumo, no crime, nos conflitos, nas epidemias, na ecologia, na migração e, naturalmente, na política.

O novo credo universal: a economia de mercado

A globalização considera que a competição e a economia de mercado são o credo universal. Esta insistência na competição promove uma visão unidimensional da natureza humana e das relações humanas. Uma sociedade que é um leilão, onde até as coisas sagradas, como o sangue e os órgãos humanos, a biodiversidade, podem ser comprados e vendidos, e onde os valores podem ser substituídos por preços, faz-nos recordar de modo arrepiante a visão do Apocalipse: Babilónia tornou-se antro de demónios, guarida de todos os espíritos imundos... porque do vinho da sua luxúria se embriagaram todas as nações... (Apocalipse 18, 2-3). O credo da lógica do mercado constitui um desafio cultural e espiritual. Um desafio que os políticos não enfrentaram (suficientemente) e pelo qual estão a pagar um preço.
Alguns dos problemas gerados pela acção dos mecanismos de mercado no âmbito do actual movimento da globalização têm a ver com o facto de que a doutrina do mercado livre aumenta nos ricos o falso sentimento de serem «pessoas escolhidas», e com o facto de esta estar orientada para a aquisição de poder em vez de ter em conta as necessidades das pessoas e da Terra.
A globalização, comandada pela actual ideologia liberal do mercado, tem adormecido as pessoas. Satisfeitas com as suas riquezas, muitas pessoas aprovam a ideologia liberal do mercado livre. Desapontadas com a política, aceitam uma visão da sociedade que passa por uma produção e um consumo sempre em expansão, uma sociedade em que o poder está nas mãos de uma pequena e forte elite económica, que facilita a gestão eficiente do processo de produção/consumo, do qual derivam todas as coisas boas da vida. Mas, numa sociedade destas, a maioria das pessoas têm pouco a dizer sobre a configuração da sociedade em que vivem e pouco poder de participação.
Os líderes políticos e as instituições tornam-se meros «ponta-de-lança» de políticas decididas longe, por empresas transnacionais. Este sistema não dá poder às pessoas, mas transforma-as em consumidores satisfeitos, e abre perigosamente as portas para que os direitos humanos sejam atropelados, a dignidade humana desrespeitada, o desenvolvimento humano entravado e o ambiente indiscriminadamente explorado.

Injustiça estrutural e política

É verdade que a esperança de vida, em média, cresceu mais nos últimos 50 anos do que nos anteriores 4000; a competição nos transportes e nas comunicações facilitou imensamente as nossas vidas. Contudo, ao mesmo tempo, a diferença entre ricos e pobres está a aumentar, tanto globalmente como no seio dos vários países. Existem 360 multimilionários no mundo, cuja riqueza conjunta é igual à soma do rendimento de 2,5 mil milhões de pobres. Que estrutura permite e justifica tamanha disparidade de riqueza?
Americanos e europeus gastam 200 mil milhões de dólares (mais de 40 mil milhões de contos) por ano em receitas médicas. Obviamente, medicamentos para enfermidades como a cegueira dos rios, a doença do sono ou a malária não se encontram habitualmente nas prateleiras das farmácias ocidentais, porque não têm procura. Todavia, em dispensários do Sul, como por exemplo no Benin, são também raros, não porque não se precisa deles, mas porque as pessoas não têm posses para os comprarem. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 60 mil milhões de dólares são gastos anualmente na investigação médica, mas menos de 10 por cento desta soma é aplicada na investigação de doenças que afectam 90 por cento da população mundial, como a malária, a tuberculose e o HIV/sida. As indústrias farmacêuticas receiam não ser capazes de vender os seus produtos a preços compensadores, ou que os países pobres não respeitem as suas patentes, por isso não lhas dão! Quantas pessoas morrem diariamente em África por não terem os medicamentos mais comuns?
O Norte pretende que os países do Sul abram os seus mercados, mas os países ricos são proteccionistas nos sectores em que os países pobres são mais capazes de competir, como na agricultura, nos têxteis e no fabrico de vestuário. «Tarifas acumuladas», (taxas cada vez mais altas por cada degrau no processo de produção) e «tarifas antidumping» para bens considerados «injustamente baratos» protegem os têxteis europeus, a agricultura, o aço, etc. Isto impede efectivamente o crescimento económico em África, não cria emprego nas cidades e reduz o rendimento das famílias africanas!
A Organização Mundial do Comércio (OMC) forçou a União Europeia a abandonar o seu regime de importação de bananas, que favorecia os pequenos produtores africanos. As grandes firmas americanas conseguiram convencer a OMC que favorecer os pequenos produtores de bananas ia contra as regras do mercado livre. As vítimas destas regras da OMC são os agricultores pobres do Gana, Costa do Marfim, Benin e Togo, cuja vida dependia das bananas; os vencedores são as grandes empresas como a Chiquita. O mesmo acontece com o uso de matérias gordas de substituição do cacau no fabrico do chocolate.
Estes são apenas alguns exemplos das injustiças infligidas pelo Norte à África. O mais estranho é que todas as leis e regulamentos que sustentam estas injustiças são ratificados pelos nossos representantes políticos, democraticamente eleitos: governos ou parlamentos! Senhores políticos: quem tem o poder neste mundo? Quem detém a autoridade no mundo de hoje?

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